A publicação de uma jovem viralizou no Twitter ao mostrar situação da pandemia no Sul do Brasil. Já foram mais de 125 mil curtidas na postagem.
“Eu vou pra UTI, só não tem vaga em nenhum lugar. Amo vocês”, escreveu a comerciante Valéria Zadorozny em mensagens para a filha mais velha, a assistente comercial Giulia Mariana, no sábado (27/02).
Valéria, que tinha 42 anos, estava internada em decorrência de complicações da covid-19. Em um hospital público de Esteio, município do Rio Grande do Sul, ela passou seus últimos dias de vida em meio ao caos ligado à falta de leitos em diversas regiões do país, em razão do aumento de casos do novo coronavírus no Brasil.
O último contato da comerciante com a filha mais velha, por meio do WhatsApp, foi compartilhado pela jovem de 23 anos no Twitter horas após a morte de Valéria, na terça-feira (02/03).
“Essa foi a última mensagem que tive da minha mãe (…) Usem máscara, não saiam se não for necessário, por favor”, escreveu Giulia na publicação, que já teve mais de 125 mil curtidas e mais de 13 mil compartilhamentos na rede.
A situação vivida por Valéria ilustra o caos vivido no país em decorrência da covid-19 — nos últimos dias, o Brasil registrou sucessivos recordes de mortes e se aproximou de 2 mil óbitos pelo novo coronavírus em 24 horas.
Internação e falta de UTI
A família relata que Valéria sempre adotou os cuidados necessários para que não fosse infectada pelo coronavírus.
Os parentes acreditam que ela, que era dona de uma sorveteria na cidade de Esteio, tenha sido infectada pelo coronavírus enquanto atendia algum cliente. “As pessoas pouco se importavam. A minha mãe cansou de brigar com clientes (para que usassem máscara)”, relata Giulia.
Os primeiros sintomas da comerciante começaram por volta de 14 de fevereiro, quando ela passou a tossir muito. Dias depois, fez um teste que apontou que ela e o marido estavam com o novo coronavírus. O casal ficou isolado. Giulia, que mora com a avó em outra casa, relata que a mãe chegou a ir algumas vezes ao hospital, mas logo era liberada.
“Os hospitais estavam cheios, então os profissionais de saúde viam alguma melhora nela e a liberavam para que outra pessoa pudesse ser atendida também”, relata a jovem.
Em 20 de fevereiro, a situação se agravou. Valéria, que tinha diabetes e asma, teve os pulmões duramente comprometidos pelo coronavírus. Ela foi internada na área de emergência de uma unidade de saúde pública.
“Ela sempre mandava mensagens para a gente porque podia ficar com o celular enquanto estava internada. Porém, ninguém podia visitá-la, só o meu pai que podia ir para levar algo que ela precisasse”, relembra a jovem.
No último sábado, o quadro de Valéria se agravou ainda mais. Os médicos orientaram que ela fosse encaminhada para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Mas diante do cenário de falta de leitos no Rio Grande do Sul, ela não conseguiu.
Como em diversas partes do Brasil, a atual situação da pandemia no Rio Grande do Sul é considerada extremamente preocupante. O cenário é o pior desde os primeiros registros de covid-19. Há fila de espera por um leito de UTI. O governo do Estado avalia o aluguel de contêineres refrigerados para acomodar um eventual excesso de corpos.
“Ela precisava disso (um leito de UTI). Ligamos para hospitais, até do litoral, inclusive particulares, e nada. Havia um leito em um hospital de Santa Maria, mas era a cinco hora de viagem e os médicos avisaram que ela não aguentaria o trajeto”, diz Giulia à BBC News Brasil.
“A falta de UTI se dá pelo colapso da rede de saúde, como já haviam dito que aconteceria desde o ano passado, mas ninguém levou a sério”, acrescenta a jovem.
Quando soube da situação da mãe, Giulia mandou as mensagens para saber como ela estava.
“Mãe, eu tô torcendo por ti. Eu te amo muito”, escreveu a jovem. “Tu tem que ser firme. Tem que me ver formar”, acrescentou a filha para a mãe, nas mensagens por WhatsApp. Foi o último contato entre elas.
“A saturação dela ficou muito baixa e ela precisou ser intubada. O médico disse ao meu pai que o quadro dela era grave e explicou que o problema era a asma dela e um quadro de pneumonia”, relata.
Sem leito de UTI, a comerciante permaneceu na área de emergência. “O hospital fez o possível para equipar o leito dela (na emergência). Mesmo com ajuda do respirador, a saturação dela não melhorava”, relata Giulia.
“Foi tudo muito terrível e muito rápido”, lamenta Giulia. Na terça-feira, a comerciante teve uma parada cardiorrespiratória e não resistiu.
“Eu fico muito frustrada. Se não fossem as aglomerações e falta de posicionamento decente dos governos, minha mãe poderia estar aqui ainda”, diz a jovem.
Fonte: Vinícius Lemos – Da BBC News Brasil em São Paulo