Destino de R$ 1 em cada R$ 3 do auxílio emergencial, o Nordeste recebeu uma injeção de R$ 51,6 bilhões com o benefício pago pelo governo federal para mitigar os efeitos econômicos da pandemia.
Além de garantir uma renda mínima para famílias que ficaram sem emprego ou sem a possibilidade de trabalhar, o auxílio movimentou a economia de pequenas cidades e das periferias dos grandes centros urbanos. Em muitos casos, o dinheiro serviu como capital de giro para negócios informais ou foi investido na compra de eletrodomésticos e na realização de pequenas reformas nas casas.
Só na Bahia, o auxílio injetou R$ 13,4 bilhões, valor que deve chegar a R$ 20 bilhões após o pagamento das cinco parcelas. Ao todo, 5,7 milhões de pessoas recebem o benefício na Bahia, cerca de 39% da população do estado. De acordo com projeção da SEI, órgão de pesquisas econômicas e sociais do governo da Bahia, o auxílio injetará na economia regional o correspondente a 6,7% do do PIB (Produto Interno Bruto) do estado em 2019.
“É um número assustadoramente alto. O auxílio vai injetar na economia da Bahia o equivalente a toda a riqueza produzida pela agropecuária do estado”, afirma o economista Gustavo Pessoti, diretor de indicadores e estatísticas da SEI. Em Salvador, onde 32% da população recebe o benefício, o auxílio movimentou o comércio e lojas de material de construção. Famílias que planejavam pequenas obras viram no benefício a oportunidade de rebocar uma parede, trocar uma porta ou fazer um puxadinho na casa.
Moradora do Rio Sena, bairro do subúrbio ferroviário de Salvador, Daiane Bonfim, 31, gastou R$ 900 do auxílio em material de construção para reformar sua casa. Na quinta-feira (6), foi até a casa do vizinho Antônio João dos Santos, 69, que vende esquadrias de alumínio, para comprar uma janela. Assim com ela, o comerciante também reformava a própria casa. Antes da pandemia, Daiane trabalhava informalmente como cuidadora, serviço pelo qual ganhava R$ 280 por mês. Seu marido, ajudante de pedreiro, também está desempregado e tinha renda incerta.
A renda familiar do casal não chegava nem perto dos atuais R$ 1.200, resultado do auxílio recebido pelos dois. “Para falar a verdade, nunca peguei em tanto dinheiro na vida”, diz Daiane. A vizinha Geisa Santos, que se sustenta vendendo cosméticos de porta em porta, também investiu parte do auxílio em material de construção e comprou um fogão novo. O antigo, velho e danificado, quase tinha causado um incêndio em sua casa há poucos meses.
No bairro de Plataforma, também no subúrbio de Salvador, o ambulante Lauro Barbosa, 53, viu sua renda cair vertiginosamente após o início da pandemia. Mas, como mora sozinho e não tem muitos gastos fixos, aproveitou o dinheiro do auxílio para trocar a fiação e rebocar parte de sua casa.
Atuando no mercado informal, ele tem renda incerta e nunca recebeu Bolsa Família: “Eu faço parte daqueles excluídos. Nunca recebi nenhum benefício”. Sua meta é conseguir finalizar uma nova casa acima da sua para poder alugá-la, mas ainda não conseguiu dinheiro suficiente para terminar a obra.
Dono de uma pequena loja de material de construção na avenida Afrânio Peixoto, José Ribeiro, 74, afirma que o movimento na loja cresceu tão logo o comércio foi autorizado pela prefeitura a reabrir.
O também comerciante Antônio João dos Santos teve maior procura por suas esquadrias de alumínio: “O movimento cresceu muito. Posso dizer que esse foi o meu auxílio emergencial”.
O cenário se replica em outras capitais do Nordeste. Em Pernambuco, o auxílio resultou numa injeção de R$ 8,6 bilhões na economia.Moradora do bairro de Casa Amarela, no Recife, Sônia Maria Alves, 60, sobrevive vendendo galetos no meio da rua. Com a pandemia, os clientes sumiram. Só no início de junho conseguiu se livrar das burocracias e sacar R$ 600 da primeira parcela do auxílio emergencial. Usou parte do dinheiro para retomar o comércio informal.
“Comprei umas coisinhas que estavam faltando em casa e usei o restante, que não era muito, para movimentar. Não adianta pegar o auxílio, ficar parada e não fazer dinheiro novo”, conta.
Ela diz que o período mais difícil foi na segunda quinzena de maio, quando o Recife decretou isolamento social rígido.
Sônia declara que, aos poucos, os clientes do comércio informal estão voltando. Antes da pandemia, ela chegava a comercializar 30 galetos em um domingo. Agora, quando vende 15, é motivo de comemoração.
No bairro Alto José Bonifácio, também na periferia do Recife, o motorista particular Edmilson Vasconcelos, 50, perdeu o emprego no início da pandemia.
Com R$ 1.200, referentes a duas parcelas que conseguiu sacar até agora, pagou contas atrasadas e comprou uma bicicleta usada do vizinho para fazer entregas por meio de aplicativos.
Diz que ainda não se acostumou ao novo serviço. “Eu tinha carteira assinada havia 17 anos. É difícil entrar em outra rotina a esta altura da vida, mas é o jeito. Sorte que tenho casa própria, mas preciso me virar para pagar as contas”, relata.
No Alto José do Pinho, o lavador de carros Amaro Jesus dos Santos, 37, ainda tenta sacar a primeira parcela do benefício, mas já tem planos: investir o dinheiro para reabrir uma pequena borracharia.
“Era do meu pai e está fechada faz tempo. Só preciso rebocar umas duas paredes. A mão de obra e as ferramentas eu tenho”, conta. Além das periferias das capitais, o benefício também movimentou a economia de pequenas cidades do interior. Nas cidades com até 20 mil habitantes da Bahia, o benefício foi pago, em média, para 50% da população. Em municípios mais pobres do sudoeste baiano, como Ribeirão do Largo e Potiraguá, esse percentual supera 60%.
De acordo com projeção da SEI, a movimentação econômica gerada pelo auxílio pode superar a marca de 20% do em municípios mais pobres, cuja economia é ancorada na agricultura familiar e na administração pública. Em Nova Itarana, cidade de 7.000 habitantes do recôncavo baiano, o auxílio emergencial pode chegar a 24% do PIB do município. Em São Gabriel, cidade no norte do estado, esse percentual chega a 23%.
A injeção dos recursos do auxílio, contudo, não necessariamente se transformará em mais riqueza para as famílias, já que a maioria vive na informalidade e perdeu sua fonte de renda na pandemia.
O encerramento do pagamento do auxílio cria cenário de incertezas. Diz o economista Gustavo Pessoti: “Serão bilhões a menos de fluxo na economia. O impacto será muito forte, principalmente em estados como a Bahia, que têm uma forte concentração no setor de serviços”.
A cuidadora Daiane Bonfim, de Salvador, diz esperar tempos difíceis após o fim do pagamento do auxílio. E prevê novos obstáculos como preços mais altos de itens de supermercados, já uma realidade em seu bairro. “Não adianta gastar com besteira. Quem não guardar ou investir esse dinheiro hoje amanhã vai chorar de arrependimento.”